sexta-feira, 21 de junho de 2013

litania interrompida


Vivemos desde sempre entre insatisfações e angústias. Desde sempre, um probleminha aqui, outro logo ali; um dia difícil hoje, outro bem pior amanhã. A cidade está ficando impossível. Quanta insegurança, ninguém sai mais às ruas sem levar consigo um temor no peito e nos olhos. Dois filhos. Sei não, a educação não vai nada bem. Melhor cuidar da saúde, evitar o sereno, como dizia mamãe. E o trabalho. Difícil ter, difícil manter, mas o problema mesmo é chegar lá.

E continua, numa litania, num canto de tristeza: aqui, ali, rua, medo, ontem, hoje, há tanto tempo, filhos, educação, cansaço, corpo e mente nada sãos. Uma espécie de canto sitiado pelos assombros urbanos às nossas portas. E quando atravessamos a porta, para o desde sempre das ruas, só pensamos em voltar para o refúgio da cabana, quando finalmente podemos parar de cantar.

Mas hoje queremos cantar diferente, queremos sair das nossas fortalezas, queremos o canto alto daqueles que por tanto tempo dividiram, em silêncio, o mesmo temor. Tantos, muitos, milhares, a se reconhecerem e tomarem emprestadas as vozes uns dos outros. Que o nosso canto ensurdecedor afaste os nossos fantasmas de desde sempre. 

Quem sabe assim voltaremos a cantar em nossos lares.


Recife, 20 de junho de 2013.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Camila tem preguiça

Hoje Camila acordou com muita preguiça.
Preguiça da rua igual, banal, tal qual sempre foi.
Rua de feiura, de faróis que nos desviam e de olhos que se perdem.
Da gente toda com cara de Munch, a engolir desespero e fumaça.

Hoje a preguiça era tanta que Camila sequer abriu os olhos.
Afastou os fantasmas e se cobriu de corpo e alma.
Preguiça dos assombros lá de fora, os mesmos de sempre.
Bocas largas de bueiro, olhos esbugalhados de Goya.

Hoje Camila não saiu da cama; paralisia, é a preguiça.
Só mais uns pouquinhos, de minutinho a minutinho;
Sendo devagarzinho, sem pretensão de ser;
Voltou a sonhar, com as noites estreladas de Gogh.