segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

III. O Pescador


Aquele que tem as solas dos pés mais polidas porque durante toda a vida se atrita na areia e no mar.

É também o mais bonito porque feito com a força das toras da jangada e a maciez lodosa que em seu casco insiste em grudar.

Perigoso também é o pescador que faz  firmar forte o coração na terra, mas não sabe se vai voltar.

Hipnotizante e lustroso como a água-viva e que quando pisa no chão é a própria brisa, como quem soprasse o que sabe que vai queimar.

Tem um não-sei-o-quê de divino como se fosse a sereia que um dia pisa a terra carregando consigo todos os mistérios do mar.
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Foto: água-viva ou caravela (nunca sei) na ilha de Itamaracá que segundo uma amiga @sandrakx parece a bolsinha da barbie kkkk
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#escritos #poesia #arte #poetry #poem #singer #literatura #literature

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

II. A detetive


Ela sempre viveu de recolher vestígios,
pequenas pistas de afeto não explícito,
que depois de grandiosos pela lupa de vidro,
eram dispostos em forma de coração.

A presença ali recém sentida,
o rastro do perfume,
a fotografia dos objetos em prontidão,
o choque do toque de segunda mão.

Depois, na parede do seu quarto,
os pedaços duros dos achados
se montavam justos e aquecidos
e desfibrilavam o peito solitário.

Como quem vive dos pedaços do outro,
que jamais se desfecha para ela entrar.




Arte: gostaria muito de saber o autor da ilustração (se alguém souber fazer o favor de avisar 😍)
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#literatura #art #poesia #arte #poetry #poem #singer #literatura #literature

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

I. O jardineiro



O jardineiro que colecionava dezenas de primaveras contava que bom mesmo era tratar as angústias pelo cheiro das antigas temporadas.

Fechava os olhos e respirava fundo, mas só sentia a tristeza seca dos perfumes que lembram a felicidade passada.

Queria ao menos a melancolia da saudade.
Mas, nada.

Engolia difícil e aguava o solo e a cara.

Tentava sorrir pensando em construir no perfume de agora
uma lembrança mais terna para resgatar na próxima época de flora.







Arte: Mucha




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domingo, 17 de novembro de 2019

O que te fez lisa na vida?


Depois de um dia inteiro rolando rio abaixo, o seixo, bolado, perguntou à pedra bruta:
- por que tão carrancuda? O dia tá azul e o sol tá cristalino. Que tal curtimos juntos esse nado?
- por que te expões assim com a cara lisa? Perde até a graça. Eu mesmo não gosto de gente dada.
- dada?
- sim! E feliz por nada.
- ah, obrigado! Eu tento ser feliz mesmo, mas a gente acaba levando umas pedradas...
- pedradas?
- sim. Porque me jogo de cara!
- lisa...
- e arranhada! É do atrito.
- por que te jogas, então?
- ora, por nada. Talvez pelo choque das coisas que me tocam forte, e que me consomem, até que eu diminua tanto que condense num pequeno ponto final todo amor que um dia tive porte.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Desajustado

Quem poderá ter o peito doce e a mente em perfeito estado?
Uma vez um coração cortês, o juízo na certa se faz desajustado.
Queria a razão poder com o espírito do amparo.
No fim das contas ou se é são ou se é afável.
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PS: a foto é de quando me perdi e me achei num mixirical 🍊 e fiquei abestalhada dos olhos, boca e nariz ❤

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Luta

De onde vem a força que faz aquilo que não se acredita ser a se mover?
Que sorte a vida se provar, por insistência, valer um tanto mais que os revezes do sofrer!
Se morre sempre pra amanhã renascer.
Se sucumbe ao que agora é certo, duro e líquido para pronto se refazer.
Ou apenas se recebe as doses justas que imunizam o que se propõe permanecer.
E permanece cheia de anticorpos num corpo alerta que luta contra seu próprio ser.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Quebra-moça

A moça que quebrava a cabeça 
Tentando juntar seus pedaços pra se fazer inteira
Percebeu que os buracos eram suas partes mais densas pintadas de breu
E assim se fez completa, justa e certeira.

domingo, 29 de setembro de 2019

Convite

A janela acendia pra fora e me fazia sonhar com os calores e vapores todos lá de dentro.

As linhas paradas do vitral de ferro com os contornos dançantes feitos gigantes pela lupa de luz contra o vidro temperado faziam o terceiro ato pra mim.

Ela é cheia de eiras e beiras e marquises. Eu não era convidado, mas me esgueirava na calçada feliz com a temporada, esperando um dia ingressar enfim.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Orvalho II

No dia em que a pequena rosa vermelha conversou com a gota de orvalho,
Naquele jardim de cores e odores que se desmancham na terra molhada,
As duas chegaram a um breve entendimento,
Sobre como derreter delicadamente ao amanhecer.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Mato


Oh, natureza arteira, tentando ensinar ao homem a forma certa de amar.
Ah, mato irônico, se fazendo icônico, dando a outra face sem conseguir nos desarmar.

Quem dera o coração do homem bombeasse uma outra seiva e alimentasse um outro fogo, fazendo todo o sangue estancar.

Aprendesse a se desmanchar pra renascer,
a arte de brotar do que parece podre,
ao invés de apodrecer tudo que esplende a essência de viver.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Corpo

Mas que cruel ironia perceber que quando se tem a alma a tremer se corporifica a pele, os músculos, os órgãos e o sangue, fazendo tudo doer.

Queria um corpo desconectado das agonias dos sentires do espírito, livre de paralisias, ondas de gelo e falta de ares, um corpo somente.

Queria os olhos independentes da alma, cartesianos, seletivos, com lentes protetoras dos raios todos da vida. Olhos que decodificam as massas e suas cores, apenas. Olhos que não enxergassem o que minha alma insiste em absorver.

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Beija-flor


Como faz pra bater as asas sem querer sair do lugar?

Voar parado que é pra dar o tempo do beijo sem pouso, suspenso no ar.

Da liberdade namoradeira, parar pro cortejo que faz a flor levitar.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Dobro não

Dobrou a esquina, percebeu a rua mal assombrada, a frouxidão nas pernas, sentiu o peito gelar.
- Será que dá pra voltar?
A ré sempre dá mais trabalho, além da manobra, exige o esforço de abstração do que não se fez.
- Melhor seguir de vez.
Bem certo de dar tudo errado, o ar tá pesado demais, anyway.
- Fazer o quê?
Essas vias que anunciam a armadilha que se sente por telepatia sem se saber por quê.
- Déja vu, pode crer.
Talvez. Mas sabia que haveria de ter entre tantas idas e vindas com o desprazer. Ou qual seria o propósito de sair do lugar?
- Melhor capturar as cores dos revezes e fazer tudo que é oposto brilhar.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

batente


O portão daquela casa que não é minha nem dela, mas se fosse, quem dera, talvez em uma outra era, sentiria um passante, que jamais seria eu ou ela, o calor que escapa daquela janela.

Mas se por acaso fôssemos nós por ali passando, saberíamos que naquele batente se daria o paradoxo dos amantes estradeiros que sonham em se ver de dentro e de fora de seus aposentos.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Contos de desamor

Não confunda minha liberdade com sua estupidez.
O que sou eu e o que voce não deveria ser.
Não confunda, meu bem.

Estamos cansados de falar sobre você.
Tenho retratos de uma estrada inteira de amor, mas perdi os seus.

Não faça o tipo encenado meio amante meu,
Enquanto vela seus desejos, descubro os meus.
Ai, ai que você nem percebeu.

Na sua casa espelhada, de portas aparentemente escancaradas, só cabe você.
Não confunda meu humor com sua falta de sensatez.




segunda-feira, 15 de julho de 2019

Teu xaxim

- lembras que te falei que teus olhos eram olhos de xaxim?
- sim, olhos de xaxim...confesso que ainda não compreendi.
- não precisa, suas raizes marrom fibrosas já chegaram até mim...
- como assim?
- nada não...
- meus olhos?
- raizes!
- quê?
- fibrosas!
- ah sim, do xaxim.
- isso. O avesso da erva daninha que se espalha, o enxerto certeiro, sabes?
- talvez saiba, não sei...
- vais saber logo mais em mim.

corredores da estrada

A imagem pode conter: planta e atividades ao ar livre



Aprendi a buscar o conforto nas janelas que acendem pra fora enquanto faço da longa estrada o meu lar.


Aquela luz que acalanta uma outra criança que, como eu antigamente, desconfia de cada canto que não pode enxergar.

A chama amarela que ilumina a leitura, clareia as ceias conjuntas, desvenda as molduras, vista daqui de fora, não me deixa esfriar.

Assim sigo colecionando os calores dos lares corredores dos meus passos, fazendo o medo dos fantasmas do breu do caminho dissipar.

domingo, 7 de julho de 2019

Quando aceitei olhar nos teus olhos


Sementeira essa vida inteira que brota dos teus olhos redondos como dois xaxins,

castanhos e fibrosos,

suspensos e guardados pelas mesmas telhas cuidadosamente empilhadas por mim.

Resta a rega, a poda, a luz do dia e da vida,

pra te fazer brilhar as pupilas e derreter tudo mais em mim.

terça-feira, 2 de julho de 2019

VIII. Sereno

Naqueles dias de beira de estrada, de pausa necessária, o sereno temperava tudo quando amanhecia.
Frágeis horas que filtravam as nossas cabeças naquele pouso sem mobília.
Queria que aquela morada impossível, a ceu aberto, fosse infinita.
Queria a estrada sem despedidas.
Sentia apertar no peito aquilo que não seguiria.
Outras beiras, outros pousos, outros encostamentos. Ficaremos mais um dia.
Pensei em dizer tudo que sentia. Fazer promessas, te segurar forte, me apegar àquela moradia.
Afasia. Da minha boca saíram ideias outras contrárias ao que pretendia.
Das ideias restaram nossos corpos quentes do calor do dia.
Os corpos calaram. Amanhã serenaremos logo cedo, deixando pra trás tudo que foi aquela estadia.

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Simplesmente coração

Não vim aqui pra ter razão, 
até mesmo porque essa nunca me foi convincente.  
Passo os dias, e as noites principalmente, explicando à mente que os sentidos da face têm mais razão. 
Não sei o que seria de mim sem os buracos da cara, 
olhos, ouvidos, boca e nariz, 
a darem vazão às enchentes que vêm de dentro, 
encantamentos.
A mente definitivamente não comporta o que transborda da nascente.
Talvez queira me dominar sorrateiramente, mas hei de ser apenasmente coração. 

sexta-feira, 21 de junho de 2019

VII. Febre

Já tentou diminuir uma febre sem se deixar curar?
Cortar displicentemente o medicamento que afasta a mazela, pausando seu efeito, não se deixando são ou mal por inteiro, mas administrando o que te te faz viver e morrer por dentro?
Assim te envolvo, me afasto, me entrego e te nego, dando pausas àquilo que me consome o corpo e a alma que é pra não deixar escapar, a ti e a mim, ligeiro.
Fico e corro pra equilibrar nossas faces, sublimes e grotescas, gozo e apatia, até o dia em que não tivermos mais anticorpos que nos mantenham vivos um do outro.

terça-feira, 18 de junho de 2019

Players

Tive uma conversa séria comigo mesma e cheguei à conclusão que somos muito diferentes. 
Ninguém cede, ninguém quer ceder, ninguém se entende. 
Pra além da teimosia, temos argumentos sólidos e quentes, cabeça e coração persistentes.
Como num jogo de xadrez com o espelho, nós duas, eu que me xeque, as rainhas que se matem.
Quem se atreve?
Haveremos por um fio tenso enquanto mantivermos o empate técnico. 


domingo, 16 de junho de 2019

Te encaminho

Caminha-se junto quando se combina a passada pela mesma estrada,

Se arrefece no outro as intempéries,
Se dói na pele a pedra e o calo da outra pele,
Se divide as beiras descansadeiras,
Se passa o gole da garrafa aliviadeira,
Se encosta no que juntos fazem ninho,
Se contempla a beleza que o olho outro captura,
Se renova a sede do caminho a cada amanhecer.

Se encaminham um no outro,
Se encaminham para um e para o outro.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

VI. O jantar

Precisei buscar umas coisas no mercado. Optei por ir à feira livre. Respirar outros ares não impregnados dos nossos seres que fazem vapores proibidos. Rua, calçada, banca, gente inocente dos verbos por nós proferidos. Não pude disfarçar o sorriso. Percebi que teu cheiro estava comigo. Teu? Sorri de novo. Nossos indivíduos. Meu cheiro muda contigo, alquimista. Comprei tudo que era preciso. Mais gente. Olhares que me julgam e acertam o meu mais proibido. Duvido. É que gosto de caminhar mesmo quando não há motivo. Melhor, caminhar é o meu motivo, mas às vezes o pouso é preciso. Senti saudade do ar opaco do nosso recinto. Volto apressada com a sacola com as coisas do jantar que com muita certeza não será possível. Não antes do imprescindível.

Afeto

De passagem, longe de chegar:

- fica um pouco, meu bem!
- ah, desejo ficar a eternidade que couber nesse momento.
- então desejas ficar mais tempo?
- o tempo físico, que parece pequeno, quanto mais vivido, mais perto de ser o tempo do pra sempre.
- ou se esgota ou é pra sempre...
- o tamanho da nossa noite não tem esgotamento.
- mas amanhã já partes...
- a partida não destrói as paralelas das nossas horas mais intensas. Seguiremos e ficaremos, pois amanhã serei outro a caminhar pela estrada. Terei em minha linha o tempo construído daquele momento.
- ah, mas me dói o apego, como não carregar os instantes com uma porção de lamentos?
- sim, os lamentos escorregam em espirais do pensamento, esvaziando o passado e o presente, te roubando retratos, borrando toda beleza vivida. Melhor não elegê-los.
- sim...
- nutre aquilo que te faz mais pleno, mais vivo e mais vibrante. Trata com carinho e orgulho teus momentos. O afeto tem uma densidade diferente que não se perde no tempo e se faz constante num espaço latente. Deixa afetar. Bombeia pro pensamento.
- deixo. Afeto. Afeta.

terça-feira, 11 de junho de 2019

V. Ebulição



Rega as flores da tua pele, lavra com tuas unhas, abre teus poros, deixa brotar cada fio, transborda tua lava.

O que te nutre por dentro te esparrama por fora e semeia o mundo a tua volta. Gera tudo. Gera vida e te faz vibrar.

O resto é calor acumulado, choque das tuas partes quando se enquadram, eletricidade. És tu e somente tu sendo reator(a) da chama toda.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

enchente

Eu me lembro de pensar no absurdo como uma poeira densa que cobre tudo,
apagando os contornos das nossas certezas todas,
nos calando a boca diante do indizível mais impossível,
distorcendo o mundo pelas lentes dos piores seres,
oprimindo nossa pele, nossa fé, nossos amores,
fazendo arder os olhos com o pó vil da maldade.

Acontece que choveu muito nessa madrugada.
Chuva forte que limpou toda poeira do céu,
varreu as ruas, drenou corações afogados, desaguou esperança,
limpou nossas pupilas
e nos deixou em festa,
perplexos com a beleza que a liberdade da verdade nos dá.

sábado, 1 de junho de 2019

IV. Vapor

Já te falei do vapor que cozinha as coisas todas ao nosso redor, meu amor.

Da neblina fina que te faz uma cortina mostrando o vermelho opaco da tua cor.

Nuvens impressionistas que dividem teu feixe em camadas e me confundem a figura pintada com ardor.

Não te alcanço. Fecho os olhos. Te contorno. Até chovermos translúcidos, limpando-nos as vistas e deixando o ar incolor.

sábado, 25 de maio de 2019

III. Barro

E depois de nada falarmos, no barro molhado buscamos o alívio da massa que tempera o vapor.

O sol poente, posto do lado de dentro, descansa insolente, alheio ao endereço destino do seu calor.

E nós, trepidantes agora tépidos, sobreviventes das nossas próprias intempéries, entardecemos até mudarmos de cor.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

II. Verbo


E o que se faz desse laço forte e preciso não sei dizer e me custa entender o que dizes.

Não são palavras nem sílabas mas os sons sentidos da brisa quente que irradias.

Da tua boca as formas todas que superam o verbo comunicam o que eu pressentia.

Sinestésica conversa da língua franca que apenas em nós, ali, habita.

quarta-feira, 22 de maio de 2019

I. Suspiro


Foi quando mergulhei inteira em ti que pude perceber as horas que param, o tempo da permanência do vôo livre, a subida que supera o espaço físico, o arrepio de quase morte, o eco interno do meu grito vivo.

Foi aí que descobri o anti-tempo, o antídoto para o que nos furta a vida, os sentires todos comprimidos no vácuo doce do nosso fôlego suprimido, o esvaecer de nossa matéria derretida.

quinta-feira, 16 de maio de 2019

A Cartilha de Camila e Carolina

Consegui fazer as pazes com Camila e Carolina!

Aquela mesma Camila que sempre sonhava no livro das primeiras letras, aquela mesma! O livro dizia "esta é a casa, a casa é de Camila, Camila sonha". Então eu achava que a felicidade podia ser assim, paradinha e sorridente, como a foto da história da menina que sonha em sua casa. E a casa era bonita!

Aí veio a Carolina, que estava nas letras do capítulo adiante, de certo primeiras letras ainda. Era aquela que com seu colar subia a colina. Ah, que linda! Não pude acreditar que lia o que lia. Cores de cal e coral me fizeram corar igual a menina.

Acontece que depois das primeiras letras aceleramos a leitura e perdemos todas as cores e texturas. Passa texto e passa tempo, vamos ficando cinzas e duvidamos se de fato Camila estava sonhando e até esquecemos das cores da colina de Carolina. 

Então resolvi matar as duas. Duplo homicídio, frio e calculado. Matei porque já não podia ser, não dava mais pra sonhar de maneira decidida. Tentei seguir a tal cartilha, mas a vida, quase numa lobotomia, me provou que aquilo não existia, não podia!

Passa tempo e passa texto, delícias e agonias. Sublime e grotesca segue a vida. Aos poucos percebo que do oco das cores outras luzes vibram. Sendo assim, do mar de letras que a vida nos atira, resolvi recortar pequenas tiras coloridas. Imagine que agora eu amo o cinza e sua imensidão, pois ele dá vida ao que lhe é oposição. 

Finalmente retorno às primeira letras! E volto à imensidão. E vou e volto. Pra nunca mais esquecer das cores, dos sonhos, de Carolina e de Camila.



Para meus filhos, Anita e Benício, que me devolvem todas as noites as alegrias e delícias das primeiras letras queridas. 

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Pena e chumbo


Acordei e era tanto peso, mas tanto peso, que mal pude respirar. Pensamentos de chumbo e estômago gelado, demorou um bom tempo até que pudesse levantar.
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O cheiro e a fumaça do café tomaram conta do ar e despertaram os pulmões que até então sofriam pra trabalhar. A primeira xícara serviu pra inalação apenas. A segunda foi para o resto despertar.
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Agora com o corpo desperto o peso fica mais real. Mais exato em medidas. É preciso escrever quilos de frases, arrobas de sentidos.
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Os primeiros sentires do dia são os mais difíceis de arrancar do juízo. Grudam na pele, dão câimbras e tiram o apetite. A terceira xícara de café é pra ocupar o espaço vazio que insiste em gelar.
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O importante é sentir devagar, traduzir as pedras e soltar. O primeiro sentir capturado, alinhavado, fica manso e até bonito. Um quase sorriso.
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Agora eles vêm em blocos, os sentires. Como um britadeira, os trago e os quebro no ar. Escrevo e escrevo mais. Começo então a formigar e sinto calor por todo lugar.
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Vou ficando leve, mas tão leve, que vou deixando de estar. De sentir. Sorrio de todo o peso. Evaporo doce pelo ar.
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#writings #cantora #compositora #singer #arte .