sábado, 23 de dezembro de 2017

O Curral


O homem é o construtor por excelência de todos os povos e de todos os tempos. Não há lugar no mundo sem sua marca. Estilos, culturas, necessidades-  às vezes desnecessárias- de uma sociedade estão sobrepostas no espaço modificando-o e, ao mesmo tempo, deixando o registro da imperatividade do homem. As rugosidades do geógrafo.

E ele constrói. Desde que deixou a caverna vem fincando sua morada no chão da terra. Prédios, barracos, castelos. Currais de pedra que lhes protegem do mundo, do frio e da chuva, dos outros homens. Verdadeiros santuários murados.

Acontece que o muro também aprisiona. Dentro desses santuários o medo encontra o aconchego e se alicerça. Os costumes inverossímeis que o homem cria são cruéis e a sociedade convalida. Gerações cuidam dessas construções, tijolo a tijolo, reforçando suas estruturas e
dando origem a verdadeiras fortalezas. Santuários da loucura.

Difícil escapar do curral do homem. Como fugir do manual dessa construção? Dificil desconstruir o edifício dos tempos. E pra reconstruir é preciso derrubar.


sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Lúcia de Siracusa


Maria Luzia nascera no dia 13 de dezembro do ano de 1989. No dia da Santa. Primeira ironia da vida de Maria. Nascera cega das duas vistas e logo dispensou o Luzia, ficando apenas Maria. Melhor.

Acontece que em terra de gente que enxerga, Maria era rainha. Porque das coisas todas que essa gente via, Maria até sabia, mas de um jeito que lhes extraía os exageros dispensáveis que essa gente que via insistia em enxergar. É que a visão é escrava da razão e não do coração. Os olhos veem o que a razão manda e no final o coração é que sente.

Mas Maria alimentava o coração. Era só sentir. Do toque e dos aromas, aprendia as coisas e a poesia do dia a dia. Aprendera que o sabor das frutas começa antes mesmo da primeira mordida. Que a propriedade do pisar não pertence somente aos pés, mas também ao chão e a tudo que nele está. Dos sons e das vozes, aprendera as delícias da melodia, o acalanto do carinho sincero e a essência da maldade. Não há nada mais claro do que a voz que ameça no escuro. Primeira lição de Maria. Ironias.

E Maria sabe cada vez mais. Sabe com intensidade. Vive com paixão cada lição aprendida na fonte da vida. Não há escolha para quem extrai a verdade do viver sentindo. A razão de Maria obedece às verdades dos seus sentidos. E o coração agradece. 

Maria não é santa, mas é rainha. E segue feliz com suas ironias.
Luzia, Maria! Luzia tudo ao seu redor com sua sabedoria!



Para meus filhos, Anita e Benício, nascidos no dia 13 de dezembro de 2012.