sábado, 25 de maio de 2019

III. Barro

E depois de nada falarmos, no barro molhado buscamos o alívio da massa que tempera o vapor.

O sol poente, posto do lado de dentro, descansa insolente, alheio ao endereço destino do seu calor.

E nós, trepidantes agora tépidos, sobreviventes das nossas próprias intempéries, entardecemos até mudarmos de cor.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

II. Verbo


E o que se faz desse laço forte e preciso não sei dizer e me custa entender o que dizes.

Não são palavras nem sílabas mas os sons sentidos da brisa quente que irradias.

Da tua boca as formas todas que superam o verbo comunicam o que eu pressentia.

Sinestésica conversa da língua franca que apenas em nós, ali, habita.

quarta-feira, 22 de maio de 2019

I. Suspiro


Foi quando mergulhei inteira em ti que pude perceber as horas que param, o tempo da permanência do vôo livre, a subida que supera o espaço físico, o arrepio de quase morte, o eco interno do meu grito vivo.

Foi aí que descobri o anti-tempo, o antídoto para o que nos furta a vida, os sentires todos comprimidos no vácuo doce do nosso fôlego suprimido, o esvaecer de nossa matéria derretida.

quinta-feira, 16 de maio de 2019

A Cartilha de Camila e Carolina

Consegui fazer as pazes com Camila e Carolina!

Aquela mesma Camila que sempre sonhava no livro das primeiras letras, aquela mesma! O livro dizia "esta é a casa, a casa é de Camila, Camila sonha". Então eu achava que a felicidade podia ser assim, paradinha e sorridente, como a foto da história da menina que sonha em sua casa. E a casa era bonita!

Aí veio a Carolina, que estava nas letras do capítulo adiante, de certo primeiras letras ainda. Era aquela que com seu colar subia a colina. Ah, que linda! Não pude acreditar que lia o que lia. Cores de cal e coral me fizeram corar igual a menina.

Acontece que depois das primeiras letras aceleramos a leitura e perdemos todas as cores e texturas. Passa texto e passa tempo, vamos ficando cinzas e duvidamos se de fato Camila estava sonhando e até esquecemos das cores da colina de Carolina. 

Então resolvi matar as duas. Duplo homicídio, frio e calculado. Matei porque já não podia ser, não dava mais pra sonhar de maneira decidida. Tentei seguir a tal cartilha, mas a vida, quase numa lobotomia, me provou que aquilo não existia, não podia!

Passa tempo e passa texto, delícias e agonias. Sublime e grotesca segue a vida. Aos poucos percebo que do oco das cores outras luzes vibram. Sendo assim, do mar de letras que a vida nos atira, resolvi recortar pequenas tiras coloridas. Imagine que agora eu amo o cinza e sua imensidão, pois ele dá vida ao que lhe é oposição. 

Finalmente retorno às primeira letras! E volto à imensidão. E vou e volto. Pra nunca mais esquecer das cores, dos sonhos, de Carolina e de Camila.



Para meus filhos, Anita e Benício, que me devolvem todas as noites as alegrias e delícias das primeiras letras queridas.