Denise
sempre pensou os dias de sua vida como as cores e músicas mais ou menos
preferidas. Havia noites azul marinho como céu de lua nova que não se fazia
breu, mas deixava rastros de brilho de estrelas fazendo um azul mais claro,
possivelmente às quintas-feiras.
As
quintas tinham um jeito de jazz na vitrola que não era vitrola, mas o som da
caixinha que reproduzia a lista de canções do celular. Mas parecia vitrola
quando fechava os olhos e se deixava dançar entre os móveis da sala. Na
verdade, não tinha tantos móveis assim, mas a cômoda de madeira antiga herdada
pela avó materna tinha cheiro de casa sua e parecia que à noite incensava mais
forte como jasmim no quintal.
As
quintas azul marinho eram seus dias preferidos e, quem sabe misturadas ao sabor
do vinho, quase sempre terminavam em um tipo de solitude satisfatória com
cheiros, cores e sabores misturados que bastam pra quem se quer deixar estar.
É
possível que se chamasse Mariana e gostava do amarelo das superfícies que
brilham como a pasta de atividades da escola que guardava na lembrança junto às
memórias mais primeiras da vida que não se consegue a data precisar.
Mariana
achava que os sábados pareciam os girassóis de Van Gogh, radiantes de toda
claridade amarela, balançantes de bossa nova e preguiçosos de levantar. Gostava
da praia mas quando precisava ficar em casa abria as janelas e com facilidade
sentia o cheiro da areia e a moleza no corpo que a fazia deitar como se alguém lhe
tocasse os cabelos com delicadeza deixando os olhos lentos e com pequenos ardores
até que fosse impossível não se deixar levar.
Os sábados
têm cheiro de sol, luzes impressionantes e hipnoses que aquietam a alma no
corpo mole que fazem do nada um remédio bom de provar.
Mas acontece
que, nas noites de domingo, Rose sentia angústia pelo escuro muito úmido que
invadia a casa pelas portas e janelas e ameaçava seus sentidos que ficavam
divididos entre o silêncio pesado do ar e qualquer outro som que a rádio ou
tevê pudessem propagar.
Era
duro ser aos domingos. Como quem sente culpa de sentir os odores das flores ou de
ver o céu estrelado. A vitrola até descansa nas noites de domingo, os olhos não
ardem de moleza, é difícil dormir cedo e se sente solitário.
Para
Lílian, as segundas eram o dia de alívio. Como quem começa pelos itens menos
saborosos do prato, engole o jiló primeiro, para então degustar por ordem de
delícia as maravilhas que vêm depois.
Era sempre
um recomeço que depois do impulso inicial colocava tudo no lugar. O dia começava
branco cegante no trabalho, amornava quando chegava em casa, quando cansada
punha minimamente as coisas em ordem, e terminava com afeto granulado das telas
de Klimt, colada ao outro da casa, com cheiro de piso limpo e som
cinematográfico no sofá.
Acontece
que hoje acordei sem saber direito meu nome. Nem as cores, cheiros ou músicas
da semana, e sem saber como se faz para estar. A folhinha pregada à geladeira
ficou opaca e não sei em que dia estamos, muito menos o dia que virá. Já
revirei a terra do quintal pra tentar sentir o cheiro da cômoda da minha avó,
liguei a vitrola e o jazz me pareceu arranhado, abri as janelas pro sol entrar,
mas a areia não passou por perto, limpei a casa e não me pareceu segunda nem
nada, somente o oco sem cores dos dias iguais. Tentei a solitude e só senti
solidão.