quarta-feira, 15 de abril de 2020

2020, o diário do mundo. 4.

A gente se equilibra pequeno na sacada do oitavo andar
ou no parapeito da janela do quarto
ou na mureta da casa de paredes baixas,
que dá pra rua sem função de estrada,
como em prece de quem pede perdão atrasado,
com pouca esperança de convencer o mundo uma chance de voltar.

Eu, se fosse o mundo, não deixava.

A gente empina a cara pra fora e se retorce em busca de um pedaço de céu ou de sol, aponta as narinas pra o clima que pela primeira vez atravessa fresco o asfalto,
pensa que o mato da calçada cresceu tão rápido
ou que a tarde está absurdamente mais majestosa
mas que ainda há quem negue lá fora
o próprio pecado,
afastando com a feiúra da loucura humana a cura ou o perdão que poderiam chegar

Você, se fosse o mundo, perdoava?

Não somos o mundo.
Não somos o mundo.
Que sorte a nossa.
Temos uma chance, quem sabe, de mudar.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

2020, o diário do mundo. 3.

Tentando me casificar, como quem se corporifica quando se lembra que tem dedo porque o dedo está machucado e machuca, ando me vendo pelas paredes que me vêem de todos os ângulos de dentro da casa.
A gente aprende a personificar o que está a nossa volta e a redescobrir o afeto que existe naquilo que sempre esteve lá.
Estou presa a uma infinidade de ângulos e texturas daqui de dentro e tentando buscar toda a poesia que não compensa o fluxo do sentimento de culpa por aqueles que estão do lado de lá.
Ouvi por cima dos muros dos autofalantes, dos que por incrível que pareça se dizem importantes, que há vidas menos importantes.
Sofri e gritei às paredes, às alturas, ao quintal, ao pedaço de céu que desobediente me sobra, aos que sempre estarão comigo e estão agora, COMO PODE A MALDADE PRA ALÉM DA LOUCURA VINGAR?!
Ahh, estamos quietos. Mas sairemos mais fortes e mais espertos, pra mostrar a força do mundo ao TODO.