Separei um coletivo de coisas pra levar, tudo inútil. Fica tudo. Essas necessidades que inventamos por aqui, lá não fazem o menor sentido. Bagagem inútil, vergonha. Gosto que me olhem nos olhos. Alguns olhares carregam a tristeza do mundo inteiro, me tira o ar mirar esses olhos. Para não derramar o gelo que me vem n'alma preciso do toque que reprime o choro, comigo é o oposto. Gosto de abraçar as pessoas.
É madrugada um pouco fria, sinto um desejo enorme de tocar a face deste homem um pouco velho, sozinho e sem nada que passa por mim. Eu vi seus olhos. Gelou minh'alma. Dou um longo suspiro fechando os olhos pra não derramar o gelo. Queria tocar sua face mirando seus olhos. Cansados e tristes. Olhos de velho. Quando vejo um velho lembro do velho Murilo.
Meu velho, Murilo velho, tem os olhos tristes, cansados e velhos. Sempre toco seu rosto, às vezes derramo por ele, às vezes com muita pena de mim por não ser ele, por não carregar toda a tristeza do mundo em meus olhos. Sinto pena de mim por ter pena dele. Dispenso a bagagem pra ver Murilo, seus olhos me matariam. É para lá que estou indo agora.
Velho Murilo mora muito distante de mim. Ele não se importa de viver distante. Distante de onde? Agoniam-me questões de tempo e espaço, preocupações inventadas, os olhos do velho Murilo não entendem. Dirijo o dia inteiro e parte da noite para visitar meu velho uma vez por ano. Vou pensando no cheiro das laranjas e na casa úmida do meu velhinho.
Velho Murilo sorriu a vida inteira, mas seus olhos sempre foram tristes. Quando muito pequena ainda, sentia vontade de tocar seu rosto e lhe encher de carinhos. Nessa época eu não pensava no cheiro das laranjas. Chupava laranjas o dia inteiro e o cheiro delas ficava em mim.
Meu pai era menos velho que o velho Murilo e meus irmãos eram mais velhos do que eu. Todos riam das graças do meu preto velho, menos eu. Ele era capaz de fazer tudo com quase nada. Ágil e criativa nudez da simplicidade.
Ô faquinha pequenininha que rodava rápido a laranjinha descascando que nem pião! Depois quer que corte no meio ou quer tampinha que quando termina ainda sobra o laranjão?
O seu anzol era o menorzinho, de se rir pensando em tal peixinho que iria lhe morder...anzolzinho mágico, nervoso e eficiente, imbatível, imã dos peixões mais grandões. Mas o lago nem era grande, era um laguinho de água marrom. Laguinho mágico, imprevisível criador de monstros e bichos de todas as cores. Eu era pequenina e o velho Murilo pescava para mim.
Meu pai falava de coisas sérias com seu Murilo. Os rodapés, os enxertos, os currais, as corais, o gado, o laranjal, a horta e o pomar. Velho Murilo mesmo quando sério sorria e mesmo sorrindo tinha os olhos tristes, tristes e velhos.
Eu ainda era pequenina e o velho Murilo falava sério comigo. Contava das vaquinhas, cantava igual aos passarinhos, fazia cara feia imitando quando perseguia uma cobra do mau, descascava as laranjinhas, do pomar toda fruta me trazia, mas da horta se ria por eu não gostar. Ensinou a tirar minhoca do buraco com um pauzinho, íamos pescar. O seu cavalo era grande, mas aprontava o cavalinho para eu montar. O dia inteirinho o velho Murilo ficava pra lá e pra cá, entre as conversas sérias com outros velhos como meu pai e as outras que vinha me contar.
Já sinto o cheiro das laranjas. Nessa estrada falha de terra de tantos desvios e entradas diferentes nunca precisei me achar. Nunca perdi o caminho. O cheiro e a saudade gostosa das coisas do meu velho sempre me guiaram até lá.
Velho Murilo agora tem os olhos velhos, porém alegres. Está mais velho do que nunca, mas seu sorriso está descansado. Meu velhinho parece aliviado. Ai, que sorriso gostoso, que saudade de quando menina e o tempo era um tempão, numa só tarde éramos índios, caçadores, pescadores e peões. Todo pé dava fruta, toda fruta era doce, a natureza se rendia ao meu velho Murilo que era forte e grande e me protegia, menina e pequena. Hoje me sinto menina e pequena novamente. Tenho vontade de lhe tocar o rosto, mas acho que agora é o oposto. Desvio o olhar. não quero lhe tocar. Velho Murilo não entende meus olhos tristes e sorri novamente.
Meu velho, me diga, só com o cheiro das laranjas como vou te encontrar?
É madrugada um pouco fria, sinto um desejo enorme de tocar a face deste homem um pouco velho, sozinho e sem nada que passa por mim. Eu vi seus olhos. Gelou minh'alma. Dou um longo suspiro fechando os olhos pra não derramar o gelo. Queria tocar sua face mirando seus olhos. Cansados e tristes. Olhos de velho. Quando vejo um velho lembro do velho Murilo.
Meu velho, Murilo velho, tem os olhos tristes, cansados e velhos. Sempre toco seu rosto, às vezes derramo por ele, às vezes com muita pena de mim por não ser ele, por não carregar toda a tristeza do mundo em meus olhos. Sinto pena de mim por ter pena dele. Dispenso a bagagem pra ver Murilo, seus olhos me matariam. É para lá que estou indo agora.
Velho Murilo mora muito distante de mim. Ele não se importa de viver distante. Distante de onde? Agoniam-me questões de tempo e espaço, preocupações inventadas, os olhos do velho Murilo não entendem. Dirijo o dia inteiro e parte da noite para visitar meu velho uma vez por ano. Vou pensando no cheiro das laranjas e na casa úmida do meu velhinho.
Velho Murilo sorriu a vida inteira, mas seus olhos sempre foram tristes. Quando muito pequena ainda, sentia vontade de tocar seu rosto e lhe encher de carinhos. Nessa época eu não pensava no cheiro das laranjas. Chupava laranjas o dia inteiro e o cheiro delas ficava em mim.
Meu pai era menos velho que o velho Murilo e meus irmãos eram mais velhos do que eu. Todos riam das graças do meu preto velho, menos eu. Ele era capaz de fazer tudo com quase nada. Ágil e criativa nudez da simplicidade.
Ô faquinha pequenininha que rodava rápido a laranjinha descascando que nem pião! Depois quer que corte no meio ou quer tampinha que quando termina ainda sobra o laranjão?
O seu anzol era o menorzinho, de se rir pensando em tal peixinho que iria lhe morder...anzolzinho mágico, nervoso e eficiente, imbatível, imã dos peixões mais grandões. Mas o lago nem era grande, era um laguinho de água marrom. Laguinho mágico, imprevisível criador de monstros e bichos de todas as cores. Eu era pequenina e o velho Murilo pescava para mim.
Meu pai falava de coisas sérias com seu Murilo. Os rodapés, os enxertos, os currais, as corais, o gado, o laranjal, a horta e o pomar. Velho Murilo mesmo quando sério sorria e mesmo sorrindo tinha os olhos tristes, tristes e velhos.
Eu ainda era pequenina e o velho Murilo falava sério comigo. Contava das vaquinhas, cantava igual aos passarinhos, fazia cara feia imitando quando perseguia uma cobra do mau, descascava as laranjinhas, do pomar toda fruta me trazia, mas da horta se ria por eu não gostar. Ensinou a tirar minhoca do buraco com um pauzinho, íamos pescar. O seu cavalo era grande, mas aprontava o cavalinho para eu montar. O dia inteirinho o velho Murilo ficava pra lá e pra cá, entre as conversas sérias com outros velhos como meu pai e as outras que vinha me contar.
Já sinto o cheiro das laranjas. Nessa estrada falha de terra de tantos desvios e entradas diferentes nunca precisei me achar. Nunca perdi o caminho. O cheiro e a saudade gostosa das coisas do meu velho sempre me guiaram até lá.
Velho Murilo agora tem os olhos velhos, porém alegres. Está mais velho do que nunca, mas seu sorriso está descansado. Meu velhinho parece aliviado. Ai, que sorriso gostoso, que saudade de quando menina e o tempo era um tempão, numa só tarde éramos índios, caçadores, pescadores e peões. Todo pé dava fruta, toda fruta era doce, a natureza se rendia ao meu velho Murilo que era forte e grande e me protegia, menina e pequena. Hoje me sinto menina e pequena novamente. Tenho vontade de lhe tocar o rosto, mas acho que agora é o oposto. Desvio o olhar. não quero lhe tocar. Velho Murilo não entende meus olhos tristes e sorri novamente.
Meu velho, me diga, só com o cheiro das laranjas como vou te encontrar?